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Foto do escritorICMC-USP

A primeira quarentena a gente nunca esquece

Confira o relato da jornalista Denise Casatti. Ela é funcionária na USP, e faz parte da equipe da assessoria de comunicação do ICMC.


É quarta-feira, 18 de março, já passam das 18 horas. Desconectamos computadores, fios, arrumamos mesas, pegamos cadernos, pastas, livros. É um verdadeiro ritual de despedida da sala 4000, no bloco 4 do ICMC. Uma despedida sem abraços, em que cada um reúne os materiais necessários para continuar trabalhando em casa.


Penso em como deve ser difícil para aqueles que passam por tragédias em que não há tempo de recolher os pertences, como quando a lama atropelou as casa e suas gentes em Brumadinho, em Mariana. Ou quando a violência da enchente ou do tsunami no mar arrasam territórios. Em tempos de tragédia, é difícil não pensar nas tantas outras tragédias que a humanidade vivenciou.

No meio da noite acordo e a insônia chega. Não consigo parar de pensar em como serão os próximos dias. Não consigo parar de pensar em como é sufocante quando penso que vivemos uma situação do tipo “sem saída”. Foram exatamente essas situações que, em um passado não tão distante assim, levaram às minhas crises de pânico. Quando penso nisso, é claro que vem o medo de ter crises de novo, mas eu sei que já não sou a mesma pessoa de antes. Sinto tudo diferente agora, em meio a esse turbilhão, há uma calma que me habita, uma certeza de que estamos vivendo uma oportunidade única para reconstruir nossas relações: a maneira como cada um lida consigo mesmo, com os outros e com o mundo.


Muitos dirão que encarar a situação assim é lançar um olhar muito de “Polyanna” para a vida. Não é à toa que, sustentando a tela do computador em que digito agora essas palavras, há três livros, dois deles têm a palavra “olhar” no título: “O olhar” e “O olho da rua”. Acho que a calma que me habita tem tudo a ver com uma nova forma de olhar o mundo que passei a ter ao longo dos últimos anos.


Não se trata de encarar tudo sob o viés de Polyanna, mas de enxergar as múltiplas facetas da realidade a nossa volta e escolher um jeito de ver as coisas construtivamente.

Quando a insônia me atacou na madrugada de hoje, 19 de março, eu comecei a pensar em como poderia contribuir para fazer algo positivo diante da situação mundial que enfrentamos. Daí me veio uma ideia: usar a habilidade que tenho de contar histórias para criar um projeto em prol do compartilhamento de relatos positivos, histórias de quem está conseguindo olhar para o mundo tomado pelo novo coronavírus de um jeito construtivo. Que jeito é esse?


Ora, já li alguns relatos de pessoas deixando bilhetes na porta de idosos oferecendo ajuda para fazer compras. Tem gente que se dispõe a cuidar das crianças dos vizinhos que não terão com quem deixar seus filhos porque precisarão continuar trabalhando. Há tantos outros exemplos e fiquei pensando: escrever e ler pode se tornar também uma maneira de ajudar. Muitos estudos científicos realizados na área mostram o quanto a prática de expor nossos sentimentos, aflições, ideias, reflexões, usando qualquer tipo de linguagem – verbal (falada e escrita) ou não verbal (fotos, quadros, sons) – pode ter um efeito positivo tanto físico quanto psíquico. Cabe aqui um parênteses para indicar um livro que relata vários desses estudos para não especialistas em neurociências e/ou psicologia: Opening Up, de James Pennebaker, que, em português, ganhou o título Abra seu coração: o poder de cura através da expressão das emoções.


O fato é que a insônia nesse meu primeiro dia trabalhando fora da USP foi muito produtiva: lançou a semente do projeto #vamosficarbem. Então, compartilhando a ideia no primeiro dia de quarentena, via WhatsApp, com todos que fazem parte da Seção de Apoio Institucional do ICMC – há outras seis pessoas que trabalham na sala 4-000 –, decidimos começar a pensar efetivamente em como colocar esse projeto em prática.


O segundo dia - Acabei de falar com meu pai. Ele mora em Araçatuba e tem 83 anos. Meus olhos estão cheios de lágrimas quando penso nele e na minha mãe, que tem 78. Eles moram cerca de 340 quilômetros daqui e estão sendo muito bem cuidados pelos meus três irmãos que moram na mesma cidade, em Araçatuba.


Ele me ligou para recomendar que a gente não saia de casa, muito menos minha filha, que tem 12 anos. Eu o tranquilizei, dizendo que já estamos em quarentena. Mas o fato é que não é com a gente que me preocupo, mas com eles. Idosos, os dois pertencem ao grupo de risco e só de pensar que talvez eu não posso mais vê-los, sinto uma dor imensa no coração e não consigo mais conter o choro.


Penso que chorar faz parte desse processo que estamos vivendo. Colocar as emoções para fora, compartilhar nossas preocupações e dramas é parte importante desse momento de adaptação a uma nova realidade. É preciso nos permitir sentir dor também.


Hoje, eu seria totalmente incapaz de percorrer esses 340 quilômetros que nos separam para matar a minha saudade, porque eu colocaria a vida deles em risco. E tudo o que precisamos agora é ficar em casa.

Conversando com meu pai, senti que ele estava extremamente bem informado sobre a situação e que precisava muito conversar, falar com alguém. Pouco afoito às novas tecnologias, não conseguiu se adaptar ao uso do WhatsApp. Antes de desligar, pedi que me ligue sempre. Precisamos falar com mais frequência em tempos de coronavírus. A distância física não é um motivo para nos afastarmos das pessoas que amamos. Pelo contrário, é um motivo para nos aproximarmos.


Do terceiro dia em diante - Como meu trabalho é escrever, para relaxar, costumo recorrer a outro tipo de expressão, em especial a pintura em aquarela. Mas é um hobby que demanda uma preparação: é preciso montar o espaço para pintar e, no final, guardar toda a bagunça. Nem sempre tenho disposição para isso. Então, resolvi me arriscar no desenho.

Eu sempre pintei aquarelas sem esboçar um desenho antes, vou colorindo o papel com a tinta e as formas surgem espontaneamente. Sempre repeti para mim mesma que “não sei desenhar”. Mas decidi que precisava me desafiar na quarentena e criei um projeto pessoal a que chamei “Corona Drawings”. O resultado da experiência compartilho nas imagens abaixo.





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1 commentaire


Denise Gomes Alves
Denise Gomes Alves
18 mai 2020

Bom dia, Denise, como pode ver somos xarás. Amei a iniciativa de vocês, não consegui ver tudo ainda, mas vou ver. Eu sou professora universitária e estou aproveitando para me capacitar mais com outras ferramentas. Concordo com tudo que você diz, é importante ter um olhar diferente da situação. Muitas coisas precisam mudar e as pessoas também. Oferecer conforto para outras pessoas é muito bom. Conhecer novas pessoas através das mídias torna esse momento único e especial, saber como estão lidando com a situação e compartilhar experiências. Parabéns à todos vocês pela iniciativa. Boa semana e bom trabalho.

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