Resolvi aceitar o desafio de relatar minha experiência nos primeiros dias de confinamento. É uma tarefa difícil fazer um relato fiel diante de uma situação que muda a cada momento. Escrevo estas palavras na terça-feira, 31 de março, enquanto o mundo contabiliza quase um milhão de infectados e mais de 40 mil mortes por Covid-19.
No começo, veio a insegurança e a necessidade de se adaptar ao home-office. Não tive muito tempo para me preparar - às pressas, peguei equipamentos, processos e documentos e trouxe tudo para casa. Por sorte, minha casa tem um cômodo que utilizo exclusivamente como escritório. Organizei tudo e, no primeiro dia de teletrabalho, resisti à tentação de trabalhar de pijama e aproveitei para tirar do armário algumas camisetas de eventos do ICMC.
Meu confortável cantinho de teletrabalho
Em casa, somos eu, minha filha Paola de 6 anos, dois cachorros e dois gatos. De cara, todos eles adoraram a ideia de me ter em casa full time. Já fui percebendo que administrar o trabalho remoto com a ânsia dessa galera por atenção não seria uma tarefa simples. O primeiro desafio foi fazer minha filha entender que ninguém estava de férias. Ela recebeu muitas atividades da escola e precisei dividir meu tempo entre ajudá-la, responder e-mails e tocar os projetos do Instituto. Mas, como qualquer criança, ao primeiro indício de tédio, a reação era me chamar pra brincar.
A prole sedenta por atenção
Com ajuda da minha namorada Letícia, que usou a quarentena para tocar sua tese de doutorado, procurei passar atividades para ocupar o tempo da pequena. Adiantei o presente de aniversário - um piano - e tentei entretê-la com desenhos, pinturas, livros, blocos de montar... Enfim, usei todo o meu arsenal. Deixava a Paola fazendo "arte" na sala e voltava para o escritório, onde eventualmente já tinha um bichano deitado no teclado do computador.
Nos dias seguintes, fiz um teste. Levei o notebook para a sala e tentei trabalhar de lá. Por um lado, a Paola me interrompia menos, pois o fato de eu estar no seu alcance visual a deixava mais segura. Com o passar dos dias, ela foi entendendo a situação e eu pude voltar ao escritório, onde o trabalho rende mais. Ao mesmo tempo, fui percebendo algumas vantagens do home-office. Grande parte das tarefas, de fato, não necessitam da minha presença física. Com isso, estou conseguindo dar andamento a alguns projetos que há tempos estavam na geladeira, assim como a planejamentos e relatórios.
Apesar da distância, a interação com meus colegas de setor flui muito bem através do nosso grupo no Whatsapp. Com os eventos cancelados ou suspensos, a equipe está conseguindo organizar acervos e documentos, revisar e atualizar procedimentos, dentre outras tarefas importantes que sempre ficam para depois das urgências. Em paralelo, o pessoal da comunicação acertou no timing com matérias sobre pesquisas do ICMC relacionadas ao coronavírus, o que gerou grande inserção na imprensa. Por fim, surgiu a ideia deste projeto, que a Direção do ICMC apoiou desde o início e, cá estou eu, fazendo a minha parte.
Quando a sala de jantar vira escritório e laboratório ao mesmo tempo
No aspecto familiar, chamou minha atenção o fato do confinamento permitir o fortalecimento de laços. Coisas simples, como cozinhar ou lavar louça com a minha filha, trollar o gato com um laser pointer ou jogar Sonic no videogame passaram a dar a impressão de serem mais prazerosas. Consegui criar até uma rotina de exercícios em casa, missão que estava procrastinando há tempos.
Uniformes de trabalho prestigiam os eventos do ICMC
De modo geral, confesso que ainda existe um sentimento de tensão e insegurança, a maior parte provocado pelas notícias que nos bombardeiam a cada minuto. Mas estou otimista. Apesar das dificuldades que ainda virão, acredito que vamos sair dessa crise mais forte do que entramos. Devemos aproveitar os aprendizados, aprimorar nossa comunicação, dar mais valor aos recursos e refletir sobre o que é, em essência, qualidade de vida.
No fim, a maior lição para a sociedade foi a importância do conhecimento científico. Em tempos de achismo, fake news e desvalorização da pesquisa, o brasileiro tem a chance de emergir do "esgoto" da ignorância e dar mais valor à ciência.
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